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O Estado de Bem-Estar Social, o Neoliberal e o de Terceira Via

RESUMO Desde a baixa antiguidade, quando surgiam as primeiras nações, a humanidade já se deparava com a necessidade de uma ordenação mínima, um conjunto de normas que atendesse às expectativas de manutenção da ordem e da conquista do progresso. E em uma época em que boa parte do globo ainda se organizava através de sistemas de hierarquia tribal ou outros comumente primitivos, os gregos foram os primeiros a experimentar um processo decisório amplo, uma forma de governo de muitos, chamado de Democracia. Mas este regime não suportou ao avanço de outras culturas menos pacíficas e mais conquistadoras, e foi suplantado. E, salvo por alguns casos específicos e não tão intensos, o mundo não veria os ideais democráticos serem utilizados, por mais de um milênio e meio. Somente com o fim da Idade Média e o início do Renascimento é que estes preceitos voltaram à tona, como uma forte oposição ao absolutismo dominante. Na trajetória de derrocada da hegemonia absolutista, muitas concepções de governo surgiram, e grande parte delas se baseava na democracia, mas que diferentemente da praticada pelos gregos, de forma direta, os novos regimes adotaram formas indiretas de representação. Esta mudança abriu espaço para novas teorias de Estado, diferentes propostas de organização pública, sempre levando em conta a participação da sociedade, seja de um modo restrito ou mais abrangente. Mas, apesar destes novos regimes possuírem um porto de partida comum, eles careciam de diferenciação, pois efetivamente apresentavam distinções do ponto de vista ideológico, organizacional e social.
A primeira polarização desta ordem da era moderna, verifica-se no parlamento francês posterior à revolução de 1789, onde os representantes do governo e da oposição se separavam literalmente em termos de direita e esquerda. Estando os defensores da situação à direita e seus oposicionistas à esquerda. Surgia ali o binômio que iria nortear a ciência política até os dias de hoje, adquirindo a direita uma ligação com as convicções das classes sociais dominantes e reacionárias, enquanto a esquerda se caracterizava pela mudança do poder estabelecido e a identificação com as classes menos abastadas. Teorias que além de se polarizarem, ramificaram-se, dando origem a uma panacéia de termos, o que viria a dificultar a identificação das posições políticas dos partidos e indivíduos. Ao contrário do que ocorria na passagem do século dezoito para o décimo nono onde os partidos se diferenciavam claramente, no século vinte esta análise se tornava mais complexa. Por que na medida que os governos foram se sucedendo e as ideologias foram se alternando no poder, foi ocorrendo uma seleção natural do que havia de positivo, de virtuoso e de prático em cada uma delas. Alguns partidos então passaram a abandonar velhas bandeiras e a assimilarem novas, em muitos casos, idéias que haviam sido formuladas em meios contrários às suas convicções originais. E não eram conceitos que se sobrepunham, mas sim que se conciliavam, criando novas bases para orientarem as concepções e ações das pessoas e suas associações. Isto somente foi possível em um ambiente democrático, em que a pluralidade é um fundamento e o aperfeiçoamento uma necessidade, em governos totalitários e autoritários, ou em qualquer outro que cerceie a liberdade de oposição, estas transformações não ocorreriam. As teorias contemporâneas não iriam se referir à condição ou ao modelo de estado, mas sim, sobre a sua forma de atuação em relação à organização do capitalismo, ao Estado de Direito e ao Estado Social.
Durante o último século estas mudanças ficaram evidentes, as ideologias dominantes não mais se caracterizavam como formas ideais puras, como o liberalismo e o socialismo, identificavam-se a princípio com elas, mas na realidade se tratava de releituras, uma nova forma de utilizar conceitos antigos. Isto ocorreu em grande parte pela imposição dos fatos, as teorias tradicionais não haviam evitado que grandes desastres históricos se concretizassem, como a I Grande Guerra e a Crise Financeira de 1929. Durante a década de 1930 a economia e o cenário político internacional se desestabilizaram, com conseqüências dramáticas para a maioria das nações do globo. Mesmo países mais desenvolvidos como Estados Unidos e boa parte das nações da Europa Ocidental, apresentavam altos índices de desemprego e estagnação econômica. Neste cenário caótico, ideologias totalitárias como o comunismo, o fascismo e o nazismo se desenvolveram ou se consolidaram. Nos países onde a democracia triunfava sobre os radicalismos políticos, uma nova tese se firmava, o Estado de Bem-estar Social. Ele se forma através da organização dos trabalhadores, que se associavam para enfrentar os efeitos da crise da sociedade de “livre-mercado”, e da incorporação destes setores organizados do proletariado pelos partidos social-democratas. Suas propostas visavam diminuir o impacto dos problemas macroeconômicos sobre os setores menos favorecidos da sociedade, entre outras coisas propunham uma maior atuação do Estado na economia, aumento do aparato estatal, ampliação das garantias sociais, consentimento com um déficit público relevante e fortalecimento das forças armadas. Com o Estado de Bem-estar o poder econômico se diferenciava do poder político, este último era até então monopólio dos detentores de capital, mas que passava a contar com a progressiva participação de representantes da classe média, dos operários e de outras classes que anteriormente não possuíam expressão política.
O principal teórico desta corrente foi John M. Keynes, que concebia um Estado interventor nos processos de produção e na economia e também superdimensionado. O país em que esta política obteve maior sucesso foi o Estados Unidos, lá o Welfare State contou com a implantação de um plano nacional chamado “New Deal” ( nova distribuição), concebido durante a presidência de Franklin D. Roosevelt e que trouxe evidentes benefícios para aquele país, como poder ser constatado pelo grande aumento e enriquecimento da classe média. Boa parte das nações democráticas sofreu influência ou adotou oficialmente o Estado de Bem-estar Social, isto principalmente nas duas décadas seguintes ao término da II Grande Guerra. Pois muitos países precisaram se reestruturar dos danos sofridos durante os anos de conflito, e viam nas políticas de bem-estar uma solução para os seus problemas sociais e econômicos. Esta decisão surtiu efeito, as sociedades se reorganizaram, as economias se fortaleceram e o mundo experimentou um período de grande prosperidade, mas ao passo que as motivações do Welfare State diminuíam, suas fragilidades e limitações apareciam. Os Estados haviam inchado demais, as dívidas, interna nos países ricos e a externa nos pobres, crescera substancialmente, os governos se transformaram em imensas corporações burocráticas, e a economia mundial entrava em uma espiral recessiva. Este cenário, foi agravado com a crise do petróleo no início da década de 1970. Como o Estado de Bem-estar Social havia surgido como uma resposta às conseqüências negativas das políticas liberais que dominaram na segunda metade do século XIX, tomava força naquele momento uma nova teoria que se opunha fortemente às concepções social-democratas de bem estar social. Formulada por intelectuais como Milton Friedman e Friedrich Von Hayek, esta nova forma de Estado sofre influência do liberalismo clássico, tanto que será chamada de Neoliberalismo. O estado neoliberal não busca intervir na economia, sua postura é mais regulatória e fiscalizadora, é adotada medidas que visam facilitar as transações comerciais e de capitais, como a diminuição da burocracia e o corte de imposto sobre grandes fortunas. Sua meta central é a estabilidade monetária e o controle da inflação. Boa parte do aparato estatal passa para o controle da iniciativa privada, inclusive muitos dos serviços sociais e de seguridade. Alteram a legislação flexibilizando o modo de trabalho diminuindo a força política dos sindicatos. Os neoliberais admitem uma “taxa natural” de desemprego e acreditam que a livre competição do mercado é suficiente para regular a economia. Estas práticas começaram a ser empregadas sistematicamente no governo de Augusto Pinochet no Chile, ainda no final da década de 1970, consolidando-se no decênio seguinte quando países como a Inglaterra de Margareth Tacher e os Estados Unidos de Ronald Regan assumiram oficialmente a política neoliberal. Por ser uma doutrina de caráter capitalista, o neoliberalismo se beneficiou com a Glasnost e a Perestroika de Mikhail Gorbatchov na U.R.S.S., a queda do muro de Berlin e a dissolução dos regimes comunistas do leste europeu, e adquiriu uma condição de hegemonia mundial durante a década de 1990. Ainda nesta época a teoria da “nova direita” começou a apresentar sinais de fragilidade, sucessivas crises econômicas abalaram as nações “recém neoliberalizadas”, como Rússia, México, Brasil e com maiores conseqüências na Turquia e na Argentina. Neste período também aumentava a desigualdade entre as nações ricas e o países subdesenvolvidos, e a solidez dos mercados de capitais era questionada principalmente após a perda de bilhões de dólares com a queda das ações de empresas de tecnologia, no episódio que ficou conhecido como a “bolha da Internet”. E da mesma forma como o Neoliberalismo surgiu com a decadência do modelo de Bem-estar Social, um novo regime se forja em cima de cada insucesso da política neoliberal.
Ele ainda não pode ser considerado um tipo acabado de forma de governo, sua conceituação está em pleno desenvolvimento e ainda falta um longo caminho para que ele alcance o status hegemônico de outras teorias do Estado. Todavia esta corrente de pensamento vem sendo chamada de “terceira via” ou “nova esquerda”, e já conta com defensores ao redor do mundo, como nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo com sua teorização em progresso, podemos elencar alguns elementos que lhe são próprios, como a modernização das propostas tradicionais de justiça social, um papel complementar do Estado na forma de um estatismo estratégico, parcerias público-privadas, maior participação da sociedade civil em áreas de tradicional atuação do Estado, fortalecimento do terceiro setor, responsabilidade fiscal e combate aos monopólios e oligopólios da economia e da política. Em termos ideológicos, este novo regime não pode ser considerado de esquerda e nem de direita, ele se enquadraria de maneira mais correta como sendo de centro ou no máximo de centro-esquerda. Isto porque, a “terceira via” apresenta elementos dos dois pólos teóricos, e no âmbito do processo decisório democrático, sua ação política não é de um radicalismo liberal ou social, mas sim de centralismo conciliador, que prima pelo debate e defende reiteradamente a Democracia e seus princípios. E no atual contexto da sociedade de informação, das mega-corporações, do fanatismo religioso, de acentuada desigualdade, de mudanças de valores e de relações cada vez mais complexas, estas características podem ser bastante úteis na manutenção da ordem e da paz global.

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