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A Relação entre Opinião Pública e Políticas Públicas

As Limitações do Modelo dos Efeitos Diretos
Entre Opinião Pública[1] e Políticas Públicas[2]
A concepção mais comum da relação opinião pública-políticas públicas a considera como uma relação de causa e efeito. Nesta visão, uma determinada demanda da sociedade geraria um efeito direto no governo e este procuraria então, suprir de imediato, esta lacuna em particular. Esta teoria, segundo Howlett[3] é problemática, primeiro porque não salienta o caráter disperso e efêmero da opinião pública, o que dificulta, senão inviabiliza, a formulação de uma política consistente e de ampla aprovação na sociedade. Ela também mostra sua fragilidade ao considerar o governo como uma instituição aprisionada pela vontade popular, sem margem para decidir de forma independente sobre os problemas da sociedade. Em terceiro lugar é simplista por não compreender que a construção de políticas não se dá de forma imediata, ela estará sempre sujeita ao debate interno, sendo que nas democracias o consenso é quase que inexistente, mesmo em círculos restritos como a esfera governamental. Portanto, uma decisão demanda um certo período de tempo para ser tomada, não somente pela disputa entre as diferentes formas de interpretar a realidade e solucionar seus problemas, como também por precisarem seguir um tramite pré-determinado. Por fim, a tese dos efeitos diretos e lineares entre a opinião e políticas, não leva em conta as dificuldades existentes na execução destas políticas, como por exemplo, a inevitável burocracia e eventuais problemas na sua aplicabilidade. Por se tratar de uma teoria que possui um funcionamento lógico e simples, muitos autores enveredaram pela sua defesa, mesmo aqueles que perceberam suas limitações não a descartaram, mas procuraram aprimorá-la, caso de Anthony Dows[4] que pensou em um círculo sistemático de atenção a questões na formação de decisões políticas, que continha inovações como a idéia de que a formulação de políticas públicas, leva em conta a opinião momentânea da população sobre um determinado tema, porém sua conotação emergencial desaparece à medida que fica evidente a impraticabilidade de se adotar medidas que satisfaçam a opinião volátil de cada momento. Todavia, esta tese também não preenchia todas as lacunas citadas acima e ainda enfrentava as mesmas dificuldades de comprovação empírica de sua precursora.
Todos estes problemas demonstram que a relação entre opinião pública-políticas públicas é bastante complexa, não podendo ser tratada como um modelo de causa e efeitos diretos e lineares. Todavia não podemos descartar esta ligação, tendo em vista que muitos estudos científicos “encontraram certa correspondência geral entre o comportamento dos formadores de políticas públicas e a opinião pública em certos tipos de questões”.[5] Podemos assim compreender que existe uma relação entre opinião e políticas, mas como vimos ela não é direta, de que forma então se dá esta relação? A seguir procuraremos responder esta questão.
A Influência Indireta da Opinião Pública sobre o Contexto das Ações Políticas
Partindo da constatação de que a opinião pública exerce um efeito sobre as políticas públicas, mesmo que não diretamente, Como se dá a influência da opinião popular sobre o ambiente em que são feitas as políticas? Ela ocorre de forma indireta, principalmente porque ela não seria o único fator a influenciar as ações políticas[6], estas medidas também sofreriam os efeitos de pressões de outras áreas constituintes da conjuntura de um país, como o comércio internacional, a economia interna, as imposições da própria máquina estatal, outras opiniões concorrentes dentro da sociedade, entre outras. Cada um destes setores, também possuem demandas que são consideradas pelo governo quando este identifica uma determinada demanda na estrutura da sociedade. O poder de influência da opinião pública seria diminuído, na medida que surgissem novos atores na disputa pela atenção governamental. Além disso, o contexto das ações políticas pode ser organizado de uma forma processual, e a influência da opinião popular não seria uniforme sobre as diversas etapas deste processo. Esta teoria que visa simplificar a complexidade da formação de políticas públicas através da adoção de etapas diferenciadas, é defendida por vários pensadores, dos quais podemos destacar Harold Lasswell[7], um dos primeiros a defender esta idéia. Este desmembramento em partes do processo decisório facilita a observação e permite que possamos analisar de modo mais preciso os efeitos da opinião pública sobre a formulação de políticas.
Podemos dividir este processo em pelo menos cinco etapas, sendo elas: 1ª) construção da agenda, 2ª) formulação de políticas, 3ª) tomada de decisões, 4ª) implementação de políticas e 5ª) avaliação dos resultados destas políticas. Este processo como dito acima, não sofre de maneira uniforme a influência da opinião pública, pois na medida que o tema adentra a estrutura estatal, maior competência técnica ele requer, e desta forma fica cada vez mais difícil ao cidadão comum opinar e assim interferir de maneira consciente sobre a ação a ser tomada pelo governo. Além disso, a partir do momento que o tema passa a ser debatido pelo executivo, ele se institucionaliza, e em geral os indivíduos que não pertencem a alguma esfera ou dimensão do Estado são, por lei, privados de interferirem nas políticas públicas. No período em que a pauta do governo está sendo formulada é a etapa em que se verifica maior efeito da opinião pública, não somente pelo poder de pressão dos diversos atores da sociedade, mas também porque o próprio governo se interessa em certa medida, em adotar medidas que não causem impacto negativo sobre a opinião popular. Identificada a demanda existente na sociedade, passa-se à etapa de formulação de políticas, através das quais buscar-se-á sanar a necessidade da população, neste momento a maior parte da sociedade já não participa mais do processo, somente em alguns casos ela participará, nos casos em que o governo permita esta possibilidade, e mesmo assim, somente através dos grupos organizados que tiverem alguma relação com a questão em debate. E ainda que exista esta participação, a opinião pública haverá de dividir as atenções com os demais atores da conjuntura nacional (mídia, classe política, empresários, sindicatos, etc.), que neste momento e na etapa seguinte, a da tomada de decisões, adquirem tão ou maior relevância quanto o modo de pensar da população. Nas fases da implementação e verificação de políticas, a influência da opinião pública é ainda menor, pois nestas etapas o trabalho é exercido, quase que exclusivamente por agentes estatais, sobre os quais não pesa o poder da vontade popular, mas sim os ditames das normas da hierarquia governamental.
A Relação Dialética Entre a Opinião Pública e as Políticas Públicas
Como vimos, a opinião pública exerce um efeito, mesmo que indireto, sobre o processo de formulação de políticas públicas, entretanto esta não é uma via de “mão-única”, em que a opinião leva necessariamente a uma política, ela é de via “mão-dupla”, pois as políticas implementadas pelo governo também geram um impacto na opinião pública. Desta forma esta não seria apenas uma variável independente e o governo não seria apenas um reagente passivo desta, mas a opinião popular seria também dependente das ações implementadas pelo governo e este, nas palavras de Howlett, “teriam um papel ativo na conformação da opinião pública ( p. 187 )”. O governo em muitos casos teria interesse em, não somente identificar as demandas da população e quais seriam suas opiniões, mas também se interessaria em ele próprio influenciar a opinião pública através de suas ações, buscando desta forma angariar o apoio da população, para isto o governo utiliza diversos métodos. Emprega ferramentas tradicionais como os subsídios e incentivos e cada vez com maior freqüência, usa instrumentos novos e diferentes, como parcerias entre governo e ONGs, comissões assessoras públicas, apoio a grupos de interesse, disseminação de informações visando de maneira indireta orientar os setores da sociedade para a direção almejada pelo governo, criação de instituições, avaliações formais e audiências públicas. Além destes exemplos, o autor ainda identifica outras formas “menos ortodoxas” do governo influenciar o público, como ‘tratados’ e ‘acordos políticos’, casos que a ação governamental flerta com o imoral e o ilícito. A opinião pública, vista aqui como o conjunto das várias opiniões dos diversos grupos e entes da sociedade engloba todas as demais etapas do processo de formulação das políticas públicas. De acordo com as etapas propostas por Lasswell, na medida que saímos da construção da agenda para a verificação dos resultados, a influência da opinião pública sobre estas etapas diminui. Mas segundo a teoria dialética da opinião-políticas proposta por Howlett, as etapas finais do processo, implementação e verificação das políticas públicas, geram um efeito sobre o pensamento popular. A sociedade em certa medida, sempre quer saber o que o Estado e seus agentes estão fazendo. A relação opinião pública-políticas públicas possui um efeito mútuo, oscilando quase sempre dentro da normalidade, com público e governo se alternando em influências sutis. Para que tal equação funcione é necessário que os governantes prestem contas de suas ações à sociedade e que esta seja atuante na fiscalização da ação estatal, sem isso, a influência se dará mais em virtude da propaganda do que em razão ações concretas.
[1] Quando no texto utilizarmos o termo Opinião Pública, estaremos nos referindo a um conjunto de opiniões, de mesmo sentido e intensidade, existente dentro da sociedade. Em todos os casos ela indicará a intenção de um grupo da sociedade e nos casos mais abrangentes da maioria desta, não de sua totalidade, tendo em vista que a opinião é atomizada e extremamente diversificada não poderemos falar de uma opinião homogênea a toda a sociedade. [2] Por Políticas Públicas entenderemos medidas governamentais que extrapolem o universo estatal e tenham impacto sobre a sociedade. [3] HOWLETT, Michael. A Dialética da Opinião Pública: efeitos recíprocos da política pública e da opinião pública em sociedades contemporâneas, Opinião Pública, Vol. VI, nº 2, CESOP/UNICAMP, Campinas, SP, 2000, pp. 171-190. [4] DOWS, Anthony. Up and Down with Ecology – the ‘Issue-Attention Cycle’, The Public Interest, 1972, pp. 38-50. [5] HOWLET, Michael, op cit. [6] Empregamos o termo “ações políticas” com o sentido de elaboração de políticas públicas. [7] Teórico da Universidade de Chicago, autor de The Decision Process: Seven Categories of Functional Analysis e A Pre-View of Policy Sciences, entre outras obras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bons seus artigos. Sou estudante de Administração Pública da ESAG/UDESC e tomei a liberdade de citar seu blog durante a aula de Políticas Públicas. Grande abraço. Continuemos contribuindo para a melhora da Administração Pública do nosso país. Parabéns pela iniciativa. Até mais.