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Democracia e Mídia

A preocupação central de Luis Felipe Miguel no artigo “Um Ponto Cego nas Teorias da Democracia: os meios de comunicação” é identificar nas diferentes correntes teóricas sobre democracia a importância ou o papel dos meios de comunicação neste tipo de regime político. Em sua análise, aborda a divisão das concepções democráticas existente entre “democratas limitados”, “democratas republicanos” e “democratas deliberativos”. Citando os principais nomes de cada corrente ele faz uma breve apresentação de suas concepções e de como vêem a comunicação dentro de seu pensamento. Os democratas limitados têm como principal expoente Joseph Schumpeter, para os adeptos desta corrente os meios de comunicação são um aspecto secundário do estudo da democracia devido a basicamente cinco fatores. Primeiramente porque os eleitores seriam ingênuos e passivos diante do processo político ou porque em uma decisão coletiva a discussão pública aprofundada ou a informação de “melhor qualidade” seriam um “desperdício” diante da passividade dos votantes. Segundo, porque neste processo de decisão do voto o eleitorado faria um cálculo racional entre o ônus e o benefício de sua decisão no qual a informação teria um valor ínfimo na tomada de posição. Terceiro, o debate político e a informação seriam uma influência eventual em um mecanismo mais complexo de decisão eleitoral, em que pesa mais as predisposições sociais do indivíduo. O quarto fator indica que a tomada de posição política sofre a influência da condição de vida da pessoa, pouco importando o conteúdo das informações veiculadas na mídia e por fim, o quinto fator indica que a decisão política dos indivíduos surge de forma espontânea, os meios de comunicação teriam certa relevância neste processo, mas não seriam seu determinante. Em suma, na perspectiva dos democratas limitados toda atividade política e a formação de vontades e identidades coletivas é vista de forma secundária, sendo a esfera privada do indivíduo o elemento mais importante para uma tomada de decisão. Outra corrente citada por Luiz Felipe Miguel, a dos democratas republicanos, enfatiza a associação de pessoas e a busca de uma “vontade geral”, o representante mais significativo desta concepção é Jean Jacques Rousseau. Na sua visão a discussão pública é útil para o processo educativo dos cidadãos, entretanto ela nada criaria e a vontade geral lhe precederia e seria superior a ela. Como a identificação e a formação desta vontade geral é algo demasiado vago e propenso a sofrer a manipulação de grupos que eventualmente monopolizem os meios de informação, esta tese possui suas limitações. Uma forma de suprir esta lacuna seria a alternativa proposta por Stuart Mill, que acredita na participação política como meio de formar indivíduos mais capazes e competentes. Mas mesmo este enfoque parece não contemplar a pluralidade das sociedades contemporâneas e a dificuldade de nelas construir consensos ou quase-consensos. De qualquer forma, a concepção democrata republicana ao valorizar a esfera pública apresenta um campo mais fértil para o reconhecimento da importância dos meios de comunicação no processo político do que a dos democratas limitados, ainda que, longe daquilo que Miguel entende como ideal ou necessário. Os adeptos da democracia deliberativa enfatizam a necessidade de discussão política para a formação das preferências coletivas, seu principal inspirador é Jürgen Habermas. Superados os limites da primeira fase do pensamento deste teórico, na qual ele adota uma postura mais descritiva da relação entre política e comunicação nos séculos XVIII e XIX na Europa, ele avança para uma preocupação com as condições (gerais) de validade dos discursos e com a elaboração de um ideal normativo, a “situação de fala ideal” ou o que ficou conhecido como a teoria do agir comunicativo. Nela é necessário existir três pré-requisitos, a fala deve estar franqueada a todos, sem exceção; deve-se levar em conta apenas a argumentação racional, isto é, os interlocutores devem estar em condições de igualdade, sem que posições de autoridade ou riqueza influenciem no debate; os participantes devem todos buscar o consenso, sem se prender a noções preconcebidas. A visão habermasiana possui seus limites, ao privilegiar a ação comunicativa ele deixa de se preocupar com os meios de comunicação, ainda segundo Miguel, ao acreditar que a livre discussão pública possa resolver o conflito entre as mais díspares opiniões existentes na sociedade, Habermas estaria preso a uma noção pré-maquiaveliana da atividade política. Outros autores da corrente deliberativa enfatizam que a barganha é um instrumento alternativo à argumentação racional proposta por Habermas, isto é, o compromisso seria uma opção ao consenso. A teoria democrática deliberativa tem o mérito de defender a participação ampla e eqüitativa no debate, como critério de legitimidade para a construção de vontades coletivas, entretanto, ela deixa de incorporar elementos de desigualdade, como o conflito irredutível de interesses; a inevitabilidade da representação política e a mediação existente em boa parte dos processos comunicativos, o que debilita sua estrutura teórica. Como podemos observar nas três correntes democráticas apresentas por Luiz Felipe Miguel, os meios de comunicação não são em nenhum momento o espaço privilegiado da comunicação política. Segundo o autor, nas sociedades contemporâneas os meios de comunicação são o canal concreto da comunicação política e exercem inegável influência sobre a vida cotidiana. Mesmo ciente que a discussão sobre a questão não se encerra nas laudas de seu artigo, ele aponta dois caminhos complementares para afirmar a centralidade da mídia nas democracias contemporâneas. O primeiro caminho indica que em uma sociedade cada vez mais midiatizada, os meios de comunicação de massa tem alterado a forma do discurso político, um dos elementos essenciais da prática política, passando a ser os canais por excelência de difusão dos discursos políticos. O segundo, diz respeito ao papel de “construtores da realidade social” que os meios de comunicação possuem. Mesmo considerando existindo outros canais responsáveis por essa construção da realidade, como os aparelhos ideológicos propostos por Louis Althusser (escola, igreja, sindicatos, etc.), os meios de comunicação inegavelmente influenciariam o comportamento político dos indivíduos. Um dos indicadores desta relevância que a mídia vem adquirindo sobre a política nas sociedades contemporâneas, é que cada vez mais ela parece assumir algumas das funções tradicionalmente atribuídas aos partidos, como a verbalização de reivindicações de grupos sociais e a fiscalização das ações do Estado. Como demonstra o autor, as correntes de interpretação da democracia relegaram os meios de comunicação a um papel periférico no processo de decisão política dos indivíduos. Nas atuais sociedades onde os veículos de informação adquirem um caráter quase universal de abrangência, não podemos desconsiderar o poder de influência que a mídia possui sobre o cotidiano das pessoas, principalmente como instrumento de obtenção de informação. Por outro lado, a centralidade da mídia no processo de comunicação política nas sociedades contemporâneas, apregoado por Miguel, também pode ser questionado. Acredito que o mecanismo de tomada de decisão política das pessoas, prioritariamente obedece a interferências de fatores de longo prazo, como as tradições familiares e culturais, e de curto prazo, como as condições estruturais e econômicas de suas comunidades. Diante de uma decisão política o indivíduo tende a fazer um cálculo racional, no qual pesam estes elementos de longo e curto prazo e ainda as informações que ele adquire por meio dos veículos de comunicação. Sua decisão será aquela que lhe pareça assegurar o maior benefício com o menor ônus, neste processo os meios de comunicação serão um instrumento para a sua tomada de posição, não seu determinante, próximo ao que refletem os “democratas limitados”, porém, sem desconsiderar o valor que a mídia possui como canal de comunicação política. MIGUEL, Luis Felipe. Um Ponto Cego nas Teorias da Democracia: os meios de comunicação. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB). Rio de Janeiro, nº 49, 1º Semestre de 2000, pp. 51-77.

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