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O Modelo Agonístico de Democracia de Chantal Mouffe

No modelo de democracia defendido por Chantal Mouffe o pluralismo e o dissenso adquirem lugar de destaque, sua concepção permite que tais elementos das democracias liberais contemporâneas sejam valorizados como fatores essenciais para o desenvolvimento democrático. Ao desenvolver sua teoria, ela em diversos momentos se opõe às teses de pensadores consensualistas, como John Rawls e Jürgen Habermas, que vêem a diversidade de posições e o conflito existente entre elas como um obstáculo a ser superado. Primeiramente, a autora considera que as ações sociais fazem parte da política, na medida que se constituem como “atos de poder”, ela entende que o poder não é relação externa a duas identidades já constituídas, mas sim, que ele é parte constituinte das próprias identidades. Desta forma, as relações sociais são também políticas, já que os atos de poder da sociedade se constituem também como uma forma de prática política. Contrariando esta visão, os consensualistas adeptos de uma democracia deliberativa, consideram que quanto mais as relações sociais estejam permeadas pelo poder, menos democrática uma sociedade será. Isto está de acordo com a intenção destes pensadores de tirar o caráter político das relações sociais, e transferir toda a política para um âmbito externo à sociedade, como a instância jurídica no caso de Rawls. Ao defender que a política é algo próprio das relações sociais, Mouffe não foge à complexidade que o pluralismo e o conflito imprime às democracias, ela busca formas de poder que sejam mais compatíveis com estes elementos. O segundo tópico importante que ela levanta é que a legitimidade do poder não pode ser fundamentada apenas pela racionalidade pura, ou pelo melhor argumento como propõe Habermas. Segundo ela, um ato de poder pode ou não ser legítimo dependendo do reconhecimento perante alguns círculos. Este reconhecimento não se pautaria apenas por fundamentos racionais, mas principalmente por fatores pragmáticos, como a influência econômica ou moral. Para que se possa ter um entendimento mais claro do modelo proposto, Mouffe faz uma distinção entre “a política” e o “político”. A primeira dimensão diz respeito ao conjunto de práticas, discursos e instituições que buscam organizar a coexistência humana em cenários muitas vezes conflituosos. A dimensão “do político” consiste no antagonismo inerente às relações humanas, que pode se expressar de diversas formas, muitas delas violentas. Ao fazer esta diferenciação a autora mais uma vez se opõe aos racionalistas, que buscam eliminar os antagonismos por meio da construção de um consenso racional. Para Mouffe a erradicação dos antagonismos não corresponde às exigências de uma democracia pluralista, ela vai além, acredita que isto seria impossível. Como alternativa propõe transformar o antagonismo existente nas relações sociais em agonismo, isto é, deixar de encarar qualquer posição contrária como inimiga e passar a considerá-la como adversária. A dimensão “da política” corresponderia a esta necessidade de transformar o antagonismo em agonismo, sendo que ela permitiria a criação de uma unidade em um contexto de conflito e diversidade. A adoção de um modelo agonístico que permite a existência do dissenso está, na perspectiva de Mouffe, alinhado com o verdadeiro significado da tolerância nas democracias liberais. Para que isto tenha sucesso é necessário que o adversário tenha suas posições consideradas legítimas, e que as partes em conflito se proponham conjuntamente a seguir os princípios éticos e políticos de uma democracia liberal, a liberdade e a igualdade. Aceitar o ponto de vista do adversário para ela é mais uma conversão do que um processo de persuasão racionalista, implica em modificar a forma de encarar seu opositor. Para se abandonar a concepção “inimigo” para adotar a idéia de adversário, abre-se espaço para a negociação, para o estabelecimento de compromissos mútuos, mesmo que o conflito em potencial não deixe de existir. Neste ponto pode-se identificar mais uma diferenciação entre a teoria agonística de Mouffe e a consensualista, ela procura mobilizar as paixões existentes nas relações humanas na direção de objetivos democráticos, ao passo que os consensualistas procuram eliminar estas emoções. Embora Mouffe critique o consenso na forma como ele é defendido por Rawls, por entender que ele leva a uma despolitização da sociedade e que a cristalização de posições coletivas pode acarretar a explosão violenta dos antagonismos, ela não descarta totalmente a idéia do consenso. Em seu modelo pluralista/agonístico de democracia há a menção de uma certa quantidade de consenso, principalmente em relação aos princípios éticos e políticos de uma democracia liberal, porém ele será sempre conflitivo em virtude das diferentes concepções de cidadania (social-democrata, neoliberal, etc.). Ele também será transitório, sendo que toda hegemonia é provisória, pois qualquer estabilidade do poder implica em uma exclusão, o que alimenta o processo conflitivo e abre espaço para alternância do poder.
MOUFFE, Chantal. La Paradoja Democrática. Capítulo 4. Gedisa, Barcelona, 2003.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu adorei ler teu post.

Me ajudou muito.

Obrigada.

mauronava disse...

Gostaria apenas de agradecer pela clareza e forma didática de analisar o texto. confesso que foi o artigo mais compreensivo que li até agora. estou no 4 periodo de ciencias sociais e confesso que me ajudou demais muito obrigado