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Infidelidade Partidária: o mandato como moeda de troca do parlamentar

Primeiramente é necessário fazer uma distinção entre disciplina e fidelidade partidária. A primeira se refere à concordância dos parlamentares em relação aos seus líderes partidários, e contrariando a noção popular estudos mostram que os partidos apresentam grau de coesão interna suficiente para tornar a ação do plenário previsível (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999, p. 516). Contribuem para esta tendência, o poder que o Executivo tem de determinar a agenda amparado pela base parlamentar que lhe presta apoio, e a centralização do processo legislativo na mão dos líderes partidários no Congresso. Estes fatores inibem a atuação individual dos parlamentares, pois não vêem possibilidade de sozinhos influenciarem o processo legislativo. Por fidelidade partidária entende-se a permanência de um parlamentar durante seu mandato, no partido pelo qual foi eleito. Ao infringir este princípio ocorre um problema quando consideramos que, apesar do voto no Brasil ser altamente personalizado, o sistema proporcional e a fórmula eleitoral utilizados nas eleições para deputados faz com que a maioria dos eleitos devam seu sucesso ao conjunto da votação do partido ou coligação, não apenas ao seu próprio desempenho. Contam para sua eleição não apenas os votos que recebeu, mas também os votos em legenda e os votos dos demais parlamentares, o que evidencia que o mandato não é pessoal, e sim partidário. Na Nova República um fenômeno que atenta contra a fidelidade tem caracterizado as legislaturas na Câmara dos Deputados, o elevado índice de migração partidária. Entre os anos de 1985 e 2001[1], 846 deputados (contando os titulares e suplentes) mudaram de partido, esse número representa que houve uma média de 28,8% de deputados mudando de partido a cada legislatura (MELO, 2003, p. 322). No momento atual o cenário não é diferente, a troca de partido durante o governo Lula tem sido praticamente a mesma da verificada no último governo FHC, entre fevereiro de 2003 e 03 de outubro de 2005 a Câmara registrou 205 movimentações de deputados entre os partidos, número um pouco menor do observado entre fevereiro de 1999 e 03 de outubro de 2001, quando ocorreram 216 trocas (Folha de SP, 04/10/2005). Esta questão se mostra ainda mais problemática se levarmos em conta que muitos parlamentares mudam de partido mais de uma vez durante os quatro anos de seu mandato, no período de 1985 a 2001 foram 1.035 migrações. As trocas de partido ocorrem praticamente durante toda a legislatura[2] mas tendem a serem maiores no 1º e 3º ano, no início do mandato influi sobre o deputado o resultado eleitoral nacional e estadual recente, já no penúltimo são as posições que formarão a próxima Câmara que orienta sua intenção de mudança. A migração partidária existe em todos os partidos, independentemente de sua orientação ideológica dentro do espectro esquerda-centro-direita. Analisando o período de maio de 1985 a janeiro de 1999, verifica-se que 18,9% dos deputados ligados a partidos ‘de esquerda’ (PT, PC do B, PSB e PDT, por exemplo) trocaram de legenda; nos partidos considerados ‘de centro’ ( PMDB, PSDB, PTB e outros[3]) o percentual foi de 21,8%, já nas legendas relacionadas como sendo ‘de direita’ ( PDS, PFL, PRN, PPB, etc.) este número chega a 39,9% de seus parlamentares no período ( MELO, 2000). O índice elevado de migração partidária como vimos trata-se de um fenômeno persistente, verificado em todas as legislaturas pós-regime militar. Como fatores que o favorecem podemos citar primeiramente o baixo nível de preferência partidária entre a população. Como os eleitores não pautam sua decisão de voto levando em conta sua identificação com um partido, os parlamentares entendem que a mudança de agremiação não lhes representará um alto custo político, sentindo-se livres para trocarem de partido como e quando lhes parecer pertinente. Em segundo lugar, as regras que ordenam o processo eleitoral, partidário e legislativo não prevêem nenhuma punição para o parlamentar que troca de partido. Outro fator é o elevado número de opções partidárias, que competem acirradamente entre si para cooptar novos membros, principalmente aqueles que possuem mandato eletivo. Isto, além do evidente fortalecimento da legenda, tem relação com o acesso aos recursos públicos destinados a cada partido, que leva em consideração para sua distribuição a votação total obtida para a Câmara dos Deputados na última eleição realizada. Por fim a mudança de partido é impulsionada pelo interesse do parlamentar em obter recursos, como estes são dominados pelo Executivo e por um grupo restrito de líderes, ele procura a agremiação onde considera ter maior sucesso no atendimento de suas demandas. Estes fatores exercem sobre os deputados um efeito psicológico, fazendo-os refletir levando em conta sua sobrevivência política em face da incerteza quanto ao futuro de sua carreira, e a possibilidade de alteração de sua trajetória partidária sem que haja maiores custos políticos (MELO, 2003, p. 329). Com base neste raciocínio o parlamentar decide se muda ou não de partido. O impacto que as mudanças de partido exercem sobre o sistema político é negativo, dentre outras conseqüências, contribui para a alteração da força dos partidos no Congresso e do grau de representatividade do sistema partidário em seu conjunto.
Notas
[1] Estes anos compreendem a 48º, 49º, 50º e 51º legislaturas da Câmara dos Deputados.
[2] Os prazos de filiação partidária atualmente se encerram um ano antes de uma eleição, o que diminui consideravelmente a migração no último ano de uma legislatura. Até a eleição de 1994 a data limite para a mudança de partido era de seis meses antes da eleição.
[3] Para critério de simplificação na coleta de dados, foram considerados de centro mesmo partidos com inclinação de direita como o PTB.
Referências
FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
Folha de São Paulo. Crise faz oposição crescer 11,5% na Câmara. Caderno Brasil, Página A9. Data: 04 de outubro de 2005.
MELO, Carlos Ranulfo F.. Migração Partidária na Câmara dos Deputados.In: BENEVIDES, Maria Victoria: VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org’s). Reforma Política e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

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