Pesquise no Blog

A Militarização da Segurança Pública

Ao abordar o tema da militarização da segurança pública no livro “FHC, Forças Armadas e Polícia” (2005) o professor Jorge Zaverucha utiliza o conceito elaborado por Cerqueira César para definir militarização, segundo este último, trata-se de um “processo de adoção e uso de modelos militares, conceitos, doutrinas, procedimentos e pessoal em atividades de natureza civil, dentre elas a segurança pública” (ZAVERUCHA apud CERQUEIRA, 1998). A força policial é uma entidade que deveria ser essencialmente civil, mas no Brasil ela se reveste de características militares, possuímos até mesmo uma “polícia militar”, um paradoxo em si e uma singularidade brasileira. Zaverucha vai além, e escreve que a presença militar nos assuntos de segurança pública é até mesmo “aceita politicamente, socialmente e culturalmente”. Acredito que um dos fatores que corroboram esta afirmação está em nossa história, no período colonial não havia uma força policial distinta da militar, o controle social era exercido pelo mesmo aparato responsável por repelir ameaças externas. No primeiro e segundo reinado é que começam a surgir nas províncias forças policiais “independentes” da força militar, mas ainda assim com um viés militarista, sendo criadas primeiramente as polícias militares e posteriormente as polícias civis. A polícia militar, como não poderia deixar de ser, nascia com uma forte influência dos militares, utilizando entre outros elementos, uma hierarquia semelhante. Com a criação das forças policiais, oficialmente as forças armadas deixariam de interferir no cotidiano da sociedade, mas com a existência de uma polícia militar não deixaram de ter ascendência sobre ela. Isto fica claro no período republicano iniciado em 1889, no qual se alternaram no poder regimes democráticos e autoritários, sobretudo durante a ditadura militar de 1964 a 1985, na qual as polícias, particularmente a militar, foram utilizadas como mais um braço armado do regime. Embora a organização e o funcionamento da área de segurança pública no Brasil possuísse notórios problemas, durante o processo de redemocratização este foi um item que permaneceu à margem das discussões políticas. Durante a elaboração da Constituição Federal de 1988, os parlamentares poderiam ter reformulado todo o sistema, mas isso não ocorreu. Talvez estivessem mais preocupados com a situação econômica do país ou com a nova organização política-institucional, ou o que é mais provável, não quiseram enfrentar o lobby e o corporativismo policial. Com a permanência de praticamente todo o aparato de segurança pública herdado da ditadura, os erros passados continuaram a ocorrer durante os sucessivos governos democráticos. É comum, tanto no âmbito estadual como federal, vermos militares sendo “convocados” para assumir cargos civis nos órgãos de segurança pública. Durante o Governo Fernando Henrique (1994-2002) houve um “aparelhamento” destas instâncias por militares. Um exemplo desta situação pôde ser verificado na condução da política nacional antidrogas, o comando da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) cabia ao General Alberto Cardoso. Como observa Zaverucha, sob seu comando o combate ao tráfico de drogas deixou de ser uma questão de segurança pública e passou a ser uma questão de segurança nacional. Esta mudança de concepção em certa medida avaliza a utilização do aparato militar para coibir ações relacionadas ao narcotráfico, como a ineficiente Operação Mandacaru em 1999, realizada pelo exército na região conhecida como “Polígono da Maconha” em Pernambuco, ou ainda em situações mais complexas, como o combate à violência urbana na cidade de Rio de Janeiro. A militarização da segurança pública é um fenômeno que não se restringe ao Brasil, ele também pode ser verificado em muitos países de tradição policial frágil e histórico de governos autoritários. No filme “Traffic” de Steven Soderbergh (2000), observamos algumas facetas desta problemática questão, na parte do enredo que se desenrola no México, o papel de polícia é exercido também pelas Forças Armadas, ocasionando uma relação confusa e conflituosa entre a polícia civil e os militares, e também, a cooptação de oficiais do exército pelos cartéis do narcotráfico mexicano. Embora seja uma peça de ficção, o filme possui um amparo na realidade, nos últimos anos temos assistido a uma crescente militarização da segurança pública, este movimento pouco ou em nada contribuiu para a melhora nos índices de criminalidade, e ainda carrega potenciais problemas, como “a promoção da debilidade do controle civil da sociedade; a exposição das Forças Armadas a casos de corrupção, danificando sua eficiência e legitimidade, acarretando um ciclo vicioso: verbas que poderiam ser usadas para reequipar as forças policiais são direcionadas para as Forças Armadas” (ZAVERUCHA, 2005). Referências CERQUEIRA, C.N. Questões preliminares para a discussão de uma proposta de diretrizes constitucionais sobre a segurança pública. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 6, v.22, 1998. ZAVERUCHA, Jorge. FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o autoritarismo e a democracia. Rio de Janeiro, RJ. Editora Record, 2005.

Nenhum comentário: