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Dinâmica Urbana no Brasil Recente

Uma pessoa atenta que visitou uma cidade e volta àquela mesma localidade depois de alguns anos, poderá perceber diversas mudanças, estas diferenças podem ser visíveis na fachada das casas, na pavimentação das ruas, na manutenção das áreas verdes, na organização do comércio, entre outros detalhes. Estas são alterações fáceis de identificar porque são aparentes, porém existem outras mudanças que certamente ocorreram no mesmo período e são mais difíceis de observar por não estarem ao alcance dos olhos. Estas transformações ocorrem no macro ambiente citadino, na economia, na sociedade e na administração pública da cidade, porventura perceptíveis aos olhares mais apurados, mas somente passíveis de real constatação mediante uma observação aprofundada, propiciada pelo estudo da questão. No último século as cidades brasileiras em geral sofreram grandes transformações, primeiramente houve um intenso e duradouro processo migratório do campo para as cidades, principalmente para os grandes centros e regiões desenvolvidas ou com grande potencial de crescimento (ABRAMOVAY & CAMARANO, 1998). Esta migração por um lado foi impulsionada pela mecanização das atividades rurais o que diminuiu a oferta de postos de trabalho no campo, e por outro, pelo aumento da demanda por mão-de-obra nas cidades em virtude do incremento do setor industrial e mais recentemente pela ampliação do setor de serviços. Estes fatores contribuíram para a ocorrência de dois outros fenômenos nas cidades, o crescimento demográfico[1] e a urbanização acelerada. Na tabela abaixo pode-se visualizar como este movimento repercutiu sobre a população urbana e rural, no período entre 1960 e 1980 a taxa de habitantes das cidades brasileiras cresceu 4,8 em média, ao passo que no campo este crescimento foi de apenas 0,6, ainda impulsionado por uma alta taxa de crescimento da população total. Entre 1980 e 2000 a taxa de crescimento populacional nacional diminui seu ritmo de crescimento, neste período o campo passa a registrar valores negativos para o incremento de sua população. Nas cidades o aumento populacional também sofre uma diminuição, mas suas taxas ainda são positivas.
A expansão do número de habitantes das cidades implicou em um processo de urbanização acelerado, medindo este fenômeno por meio do grau de urbanização[2], observa-se que em 1950 a taxa de urbanização no Brasil era de 36%, em 2000 esta porcentagem já somava 80%. Um crescimento anual médio de 4,7%, multiplicando 7,33 vezes a população urbana no país na segunda metade do século XX. A expansão urbana nacional entre 1970 e 2000 foi mais intensa nas cidades com população entre 100 e 500 mil habitantes e nos centro urbanos com mais de meio milhão de pessoas. Como mostra a figura abaixo, houve um grande acréscimo de cidades deste porte na geografia urbana brasileira, em 1970 eram 71 cidades destas dimensões no país, em 2000 as cidades com população entre cem mil e 1 milhão de pessoas já somavam 190, no mesmo período as metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes passaram de 5 para 13. Estes números demonstram a expressiva expansão urbana pela qual o Brasil passou nas últimas décadas, um crescimento que apesar de ser elevado, não foi contínuo, nem homogêneo entre as diferentes cidades e regiões. A partir da década de 1980 as cidades com mais de 500 mil habitantes sofrem uma relativa desaceleração do crescimento de sua população urbana, já as localidades que possuem 100 a 500 mil habitantes mantém o ritmo de crescimento (BRITO, 2001; MARICATO, 2000). A desconcentração populacional recente das cidades com mais de meio milhão de habitantes, particularmente das grandes metrópoles, está relacionado com a formação das regiões metropolitanas a partir da década de 1970. O fluxo migratório que anteriormente era voltado para as cidades centrais passou a ser distribuído também para as cidades periféricas, a alta taxa de ocupação do solo e a subseqüente elevação do preço dos imóveis nos núcleos metropolitanos, favoreceram esta reorientação. Entre 1991 e 1996 nas 12 principais regiões metropolitanas do país as cidades centrais registraram um crescimento de 3,1% enquanto as localidades periféricas a elas cresceram a uma taxa de 14,7% em média (MARICATO, 2000, p. 25). Desde a década de 1970 até o presente as regiões metropolitanas têm mantido certa estabilidade em relação à sua participação na distribuição geográfica da população nacional, concentrando 1/3 dela. As projeções feitas no início da implantação destas aglomerações político-territoriais apontavam uma participação maior, contudo a recessão econômica dos anos 1980 e a queda no nível de fecundidade limitaram este desenvolvimento. Mesmo que o crescimento das regiões metropolitanas esteja abaixo do existente no conjunto da população urbana, ele ainda é superior ao incremento da população total do país (BRITO, 2001, p. 8s). Os grandes centros metropolitanos enfrentaram ainda a concorrência de outros dois fatores, a colonização das regiões centro-oeste e norte e uma maior distribuição regional dos investimentos industriais. Apesar do Estado de São Paulo ter mantido a hegemonia como principal destino da população migrante, a expansão das fronteiras agrícolas e minerais nos estados das regiões centro-oeste e norte a partir da década de 1960, acarretou um fluxo significativo de migrantes para seu território, particularmente de pessoas oriundas dos Estados do Sul (BRITO; GARCIA; MARQUES, 2004). Este movimento teve o patrocínio de políticas de colonização regional do governo federal, que visavam incrementar o desenvolvimento econômico daquelas regiões e desta forma atrair um maior número de pessoas. Dois marcos deste processo foi a construção de Brasília (1960) e a implantação da Zona Franca de Manaus (1967), estas entre outras iniciativas governamentais significaram o início de um consistente processo de crescimento das cidades do centro-oeste e norte. Aliado à colonização destas regiões o espraiamento industrial existente nas últimas duas décadas cooperou para a estabilidade da taxa de urbanização das principais regiões metropolitanas. A participação na produção industrial nacional do Estado de São Paulo e da região metropolitana da capital paulista em 1970 era de 58% e 44%, respectivamente, em 1990 estes valores haviam diminuído para 49% e 26% (DINIZ, 1995, p. 6). O decréscimo da participação paulistana na produção industrial brasileira foi acompanhado de uma distribuição dos investimentos industriais em outras localidades. Outras metrópoles, cidades de porte médio e mesmo pequenos municípios, se tornaram o destino de novas plantas industriais. Além das ações estatais já mencionadas, este processo de desconcentração produtiva é incentivado pela busca de recursos naturais, por uma melhora paulatina da infra-estrutura, pela formação de arranjos produtivos locais, pelo desenvolvimento do turismo e pela abertura da economia nacional aos investimentos internacionais. Esta reestruturação espacial das populações urbanas sofre influências não apenas de fenômenos internos, ela também é permeada pelos efeitos dos acontecimentos externos, potencializados pela inserção do Brasil no cenário internacional. A abertura do país a uma economia globalizada produz reflexos sociais, políticos e culturais, alterando as relações entre as diferentes regiões e cidades, imprimindo uma nova dinâmica à rede urbana nacional. Independente de seu tamanho, toda cidade participa de uma cadeia de produção global, seja “produzindo, distribuindo, ou apenas consumindo bens, serviços e informações que, crescentemente, circulam por intermédio da efetiva ação de corporações globais” (CORREA, 1999, p. 44). A globalização influenciou ainda a criação de novas localidades em regiões sem infra-estrutura, ao propiciar que grandes empresas industriais e de mineração planejassem núcleos de povoamento que prestassem suporte ao desenvolvimento de suas atividades. A incidência destes fenômenos nas cidades brasileiras não é uniforme, todas elas sofreram seus efeitos em maior ou menor escala, em alguns casos positivos, em outros, representando prejuízos e ameaças ao bem-estar das populações locais. O cenário dinâmico no qual estão inseridas as cidades brasileiras representa um grande desafio para os governos e a sociedade, demandando um esforço conjunto para seu enfrentamento.
Referências ABRAMOVAY, R.; CAMARANO, A. A.. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos cinquenta anos. Revista Brasileira de Estudos da População, Brasília, v. 15, n. 2, p. 45-66, 1998. BRITO, F.. A urbanização Recente no Brasil e as Aglomerações Metropolitanas. In: XXIV IUSSP General Conference, Salvador. AnaisXXIV IUSSP General Conference, v. 1. p. 168-184, 2001. BRITO, F.; GARCIA, R. A. ; MARQUES, D. H. F. . As tendências recentes das migrações interestaduais e o padrão migratório. In: XIV encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu-MG. Anais do XIV encontro Nacional de Estudos Populacionais. v. 1, 2004. CARVALHO, J. A. M.. A dinâmica demográfica no Brasil: tendências recentes e perspectivas. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo, v. 1, p. 05-23, 1997. CORREA, R. L. A.. Globalização e Reestruturação da Rede Urbana - Uma Nota sobre as Pequenas Cidades. Território, Rio de Janeiro, v. 6, p. 43-53, 1999. DINIZ, C. C.. A Dinâmica Regional Recente da Economia Brasileira e suas Perspectivas. Textos para Discussão N° 375, IPEA, Rio de Janeiro, 1995. MARICATO, E.. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação SEADE, v. 14, n. 4, p. 21-33, 2000.
Notas [1] Grau de Urbanização é aferido levando-se em conta o número de habitantes residentes na cidade em relação ao número total da população de um município, seu cálculo pode ser definido utilizando a seguinte equação ((1 + ru)/(1 + rt)) - 1) * 100 (BRITO, 2001, p. 5). [2] Entre as décadas de 1940 e 1970 ocorreu uma forte expansão demográfica, o Brasil passou de uma população de 41 milhões de habitantes para 93 milhões, nas duas décadas seguintes esta tendência foi atenuada pela queda da fecundidade, atualmente há uma expectativa de que durante o século XXI o país alcance uma estabilidade populacional pouco abaixo dos 250 milhões de habitantes, a grande maioria deles vivendo em cidades (CARVALHO, 1997).

Um comentário:

Marjory disse...

Adorei essa postagem! Vou utilizar em minha ula. parabéns!