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A Democracia Participativa

O contexto das democracias ocidentais após a segunda grande guerra (1939-1945), inicialmente foi marcado por uma relativa estabilidade e pelo consenso social, mas aos poucos esta situação deu lugar a um cenário de crise política destes regimes, sobretudo pela “sobrecarga do governo” e pela fragilidade das teorias que as legitimavam. Por volta do final da década de 1960 ocorreu uma polarização das idéias políticas, proporcionando o surgimento de dois novos modelos de regime democrático, a democracia jurídica representando a “nova direita” e a democracia participativa alinhada com a “nova esquerda” (HELD, 2006, p. 185s).

A democracia jurídica da “nova direita” tem como seu princípio central a iniciativa e a liberdade individual, nesta perspectiva, são defendidas idéias como o livre mercado e um programa político que inclui: a ampliação do mercado, um Estado menos intervencionista, a limitação do poder de determinados grupos (como sindicatos) para possibilitar que seus objetivos sejam alcançados e a formação de um governo forte, capaz de impor a lei e a ordem (idem, p. 201). Tal concepção de democracia tornou a relação entre Estado e sociedade civil instável, na medida em que propunham uma “resignificação” para os conceitos de liberdade, igualdade e democracia. Tal propósito não passou despercebido pelos teóricos da nova esquerda, que também passaram a discutir teoricamente estes conceitos, particularmente o de liberdade, atribuindo a eles também significados próprios, mais alinhados a sua corrente de pensamento (idem, 209).

Dentre os teóricos que se dedicaram à vertente de esquerda da concepção democrática recente, dentre eles se destacam as contribuições de Carole Pateman e Crawford Brough Macpherson. Este último autor, paradoxalmente resgata concepções da tradição liberal clássica de John Stuart Mill, que defendia um direto e contínuo envolvimento dos cidadãos na regulação do Estado e da sociedade. Porém como isto poderia ser feito em larga-escala, em uma sociedade altamente populosa e complexa. Os teóricos da democracia jurídica defendem que a participação deveria ser realizada exclusivamente por meio do processo de eleitoral. Macpherson por sua vez, compreende que este momento é importante, mas para que haja uma verdadeira transformação da sociedade e de seu sistema de governo é necessário um sistema político que combine partidos competitivos e organizações de democracia direta. (idem, p. 211).

O acesso igualitário dos cidadãos ao direito de liberdade e auto-desenvolvimento, somente seria possível em um cenário de ampliação das esferas de participação dentro da relação governo-sociedade. Recorrendo às noções centrais de Rousseau e Stuart Mill, Pateman defende que uma democracia participativa impulsiona o desenvolvimento da humanidade, pois aumenta a sensação de eficácia política, reduz a sensação de estranhamento dos centros de poder, nutre uma preocupação com um problema coletivo e contribui para a formação de uma cidadania ativa que implique em um conhecimento e um interesse mais agudo pelos assuntos do governo (PATEMAN, 1992, cap. II). É precisamente esta concepção que David Held utiliza para sintetizar o princípio no qual se justifica a defesa do modelo democrático participativo.

Recorrendo às idéias de Pateman e Macpherson, ele identifica também suas principais características. São elas, a participação direta do cidadão na regulação das instituições-chave da sociedade, incluindo o local de trabalho e da comunidade local; a reorganização do sistema partidário, tornando o partido diretamente responsável pela adesão dos cidadãos; a operação de "partidos participativos" na estrutura parlamentar ou congressual; e a manutenção do sistema institucional aberto, para assegurar a possibilidade de experimentação de novas formas políticas. Held complementa ainda que para estes elementos se manifestarem adequadamente há a necessidade de uma melhoria direta na base recursos de muitos grupos sociais por meio da redistribuição de recursos materiais; minimização (se possível, erradicação) do inexplicável poder burocrático na vida pública e privada; a existência de um sistema aberto de informação, para garantir decisões devidamente embasadas; melhor atendimento das necessidades privadas dos cidadãos (como um re-exame do acolhimento de crianças, por exemplo), de modo que, tanto as mulheres como os homens possam ter a oportunidade de participar mais ativamente da vida pública (HELD, 2006, p. 215).

O modelo democrático participativo ao enaltecer a importância da ampliação da participação dos indivíduos no processo de decisão política, utiliza também uma visão integrada dos indivíduos e das instituições políticas, na qual o Estado e a sociedade civil fariam parte de um mesmo corpo político. Neste caso as Instituições representativas e o próprio Governo seriam meramente “meios de realização da vontade dos cidadãos”. Ao propor esta visão ampliada do domínio social, este modelo encontra limitações à sua efetividade ao se deparar com a organização capitalista de produção, que pressupõe a estratificação social e a primazia das instituições formais do Estado no processo de regulação da economia e da sociedade (NOBRE. In: COELHO; NOBRE, 2004, p.31).

Referências

COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos. (Orgs.). Participação e Deliberação: Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. 1 ed. São Paulo: Editora 34, p. 21-40. 2004.

HELD, David. Models of Democracy. 3ª Ed., California (USA): Stanford University Press, 2006.

PATEMAN, Carole. Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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