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Democracia no Brasil: entre representação e participação

O aprofundamento da democracia brasileira pode ser tratado por meio de duas linhas distintas, a da representação e a da participação. O primeiro enfoque se dá sobre os processos representativos pertinentes à estrutura eleitoral e partidária do sistema político no Brasil, e o segundo, trata da constituição de novos espaços públicos no país que possibilitem uma maior atuação dos indivíduos no processo decisório para a formulação de políticas públicas. A questão central que se desenvolve, trata da capacidade que cada um destes modos de ação política, possui para a efetivação dos direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros.
A representação política tradicional primeiramente se baseia na existência de eleições, por meio das quais seja feita a escolha dos mandatários do executivo e do legislativo nas esferas municipal, estadual e federal. Este processo é organizado por meio de um sistema eleitoral, que se caracteriza por ser uma construção técnica, institucional e legal; que visa o ordenamento dos mecanismos de representação política, a constituição de governos e a sua legitimidade perante a população, bem como, o aprofundamento da integração de toda a estrutura política (TAVARES, 1994, p. 17). Para que um sistema eleitoral se desenvolva adequadamente em grandes circunscrições geográficas, é necessário que paralelamente a ele existam também partidos políticos; independente da tipologia de seu sistema, as estruturas partidárias são responsáveis pela organização das forças políticas e sociais e a pré-seleção dos candidatos que irão disputar as eleições (OPPO, 1998, 899).
Esta conjugação de um sistema eleitoral e partidário é utilizada no Brasil desde o império, como a principal forma de representação formal da sociedade. Nem sempre esta configuração esteve atrelada à existência de um regime democrático no país, mas no atual período democrático iniciado em 1985, a realização de eleições sucessivas e a liberdade de associação partidária são fatores que não podem ser dissociados do processo de consolidação democrática recente no Brasil. No entanto, o atual sistema eleitoral e partidário nacional que favorece o fortalecimento da democracia, aparentemente não representa também uma melhora das condições de participação da população na política. Contribui para isto, a desproporcionalidade da representação entre os Estados na Câmara Federal; fracos vínculos entre representantes e representados; um baixo nível de accountability por parte dos governantes; uma alta fragmentação partidária; e um sistema de representação complexo e volátil, que dificulta seu entendimento pela grande maioria do eleitorado (KINZO, 2004).
Paralela a esta realidade contraditória da experiência formal e institucionalizada de representação eleitoral e partidária no Brasil contemporâneo, desenvolveu-se um movimento pela ampliação da participação dos atores sociais na esfera pública e estatal, mais espontâneo e menos regulado pelo Estado. Ele se originou no seio das mobilizações da sociedade pela redemocratização do país e se fortaleceu durante o período da assembléia constituinte na segunda metade da década de 1980. Neste processo destacaram-se a atividade política desempenhada pelos sindicatos do proletariado, pelos movimentos sociais ligados à Igreja Católica, pelas organizações não governamentais que trabalhavam para o exercício pleno da cidadania e pelas entidades ligadas à saúde e à assistência social, junto às quais também se engajaram segmentos significativos da classe média (LYRA, 1999, 23s). Mesmo que desempenhando em alguns momentos um papel claramente corporativista, estes atores sociais contribuíram para que a Constituição de 1988 e a sua regulamentação posterior, incorporassem mecanismos participativos que beneficiassem toda a sociedade.
A Carta Constitucional de 88 promoveu grandes inovações, estabelecendo mecanismos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei; ampliando o espaço de atuação das associações civis na vida pública; e promovendo a participação política como um fator central para o exercício da cidadania. Aspectos que direcionavam para novas configurações da realidade institucional, voltadas para uma menor centralização do poder público e uma maior participação da sociedade na esfera pública (FONSECA, 2007, p. 247). As instituições criadas em decorrência das oportunidades de organização social e acesso ao processo decisório, estabelecidas pela Constituição de 88 e sua legislação posterior, passam a desempenhar um importante papel no cenário político brasileiro, principalmente no estabelecimento de políticas públicas (particularmente as setoriais) e no controle das atividades dos governantes e dos órgãos estatais (MENDES, 2007, p. 150).
Os novos institutos democráticos criados no intuito de aprofundar a participação social, não prescindem dos mecanismos de representação; do mesmo modo, a representação política tradicional não significa um obstáculo à participação. Apesar de representarem a base de tipos de democracia distintos, os instrumentos de participação e representação não são incompatíveis, e em muitos casos constituem parte de um mesmo processo de governança. A interação entre estas duas expressões da democracia criam diferentes formatos de arranjos institucionais, como por exemplo, os tipos de mecanismos de gestão pública participativa e solidária, bem como, processos de representação social diversos, que fogem dos procedimentos partidários e eleitorais tradicionais. No Brasil contemporâneo, a conjunção de experiências inovadoras de participação social na esfera da administração pública com as regras e práticas do sistema eleitoral e partidário nacional, são cada vez mais frequentes; não apenas para satisfazer a demanda da sociedade por uma maior influência sobre o processo decisório das ações governamentais, mas também, para criar formas alternativas de gestão que possam contribuir para a eficácia destas iniciativas.


Referências

OPPO, Anna. Partidos Políticos. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco (Orgs.). Dicionário de política. 4 ed., Brasília: UNB, p. 897-905, 2001.
TAVARES, José Antonio Giusti. Sistemas eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
 LYRA, Rubens Pinto. As Vicissitudes da Democracia Participativa no Brasil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 141, p. 23-38, 1999.
 KINZO, Maria D’Alva. G.. A Democratização Brasileira: Um Balanço do Processo Político desde a Transição. Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 4, p. 3-12, 2001.
 MENDES, Denise Cristina Vitale Ramos. Representação política e participação: reflexões sobre o déficit democrático. Revista Katálysis, Florianópolis, vol.10, n.2, p.143-153, 2007.
FONSECA, Francisco. Democracia e Participação no Brasil: descentralização e cidadania face ao capitalismo contemporâneo. Katálysis. Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 245-255, 2007.

Um comentário:

Luíza disse...

Muito bom texto.